sexta-feira, 31 de maio de 2013

O Cristo ao fundo, bastava que olhasses para cima, por trás de meu ombro. E eu via o espelho d'água da Lagoa. Embora plácido, eu naufragava.
Não digas o que houve, apenas que era maio, o mês em que te amei. Não digas o que houve, olha o cão à porta alheio aos dias e ao calendário.
Costura, meus dedos no vazio a tecer o porvir.Quando as fibras na plantação em tempos de eu menina a saber que, um dia, me cobriria a nudez?

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Um cálice filtra e esquarteja a luz num canto de parede, sementes luminosas que germinam meu verso.
De que vale o risco de um lápis sobre o papel se não há luz a remetê-lo aos meus olhos? A poesia nasce com o sol.
Risco de luz, retilíneo, a exibir a curva da maçã sobre a mesa da cozinha; risco de luz, provisório, enquanto dura, mínima, a tarde que cai.
Sofreguidão, subir o pau de sebo, dar-te um beijo, um milhão!
Travar dueto com Drummond? Escalavrar a pele, deitar-se em sangue, soberba exangue, calafrios, rigor de inverno, céticos amores, doce dores.
Dois milhões de habitantes querem tocar minha pele nua. Dois milhões de habitantes não querem saber da solidão (prazerosa), que não é sua.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Espadas refletem fios d'ouro de sol, espadas reluzem o brilho rubro do amor, espadas deixam-me exangue, fio de metal que me descobre mulher.
Desce tua espada, roça-me a pele, queda-me a teus pés. Queres a mim mutilada? Não, sei que não. Queres-me apenas trêmula, úmida, teu o suor.
Sempre temi os porões, sempre temi sua localização abaixo da terra. Mas em teus braços... deixa-me nua, deita-me ainda mais fundo.
Cobre-me os pés com tua meia, acarinha-me sobre o tecido, malha branca, ainda o teu cheiro, o lastro de tua dor.
Incessante morrer... queres o eterno gozo, e morres (talvez de amor) a cada espasmo.
Maternais adorações; o que desejas? O colo quente da mãe ou o ardor no ventre da amante?
Em vão me olhas no reflexo da lâmina do espelho. Em vão me descobres a nudez. Não é o meu corpo, apenas reflexo, completa-o tua imaginação.
Queres-me o tempo inteiro à prosa, todo o tempo à poesia. E o amor?, pergunto lépida, foguenta. O amor?, me respondes. O amor é a tua dor.
Expulsaste-me, apenas a pele a me cobrir o corpo, a me proteger da fria estação. Expulsaste-me, acusaste-me, traidora, não mereces perdão!.
Fria e desatenta, deixei-te passar. Fria e desatenta talvez não soubesse amar. Ria e acalenta, ainda é hora, sobe a montanha, sabes escalar.
Lábios... O beijo, talvez o riso... Quem sabe túnel comprido, interminável, céus da antiga Hélade.
Viste-me, vieste até mim, venceste-me...
O beijo, nada mais definitivo, tua umidade, perfumas-me com a essência do teu ser.
Paraísos, todos sempre perdidos. Paraísos, ao acaso me descobriste. Perdeste em definitivo.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Importas-te? Oh, se te importas... Pago a sobretaxa.
Gaguejo, rumorejo, sacolejo, e vai-se o poeta com sua bolsa vazia, palavras derramadas no leite frio.
Os números primos são sempre sós, palavras fora do dicionário, vizinho fora da vizinhança, quem espera nunca alcança, nunca a fiança...
Sei que sempre quiseste ser meu par. E eu, sempre o desejo de ser ímpar.
Paisagens. Uma revolução em pleno agosto. E eu nua. Teus braços plenos de armas.
A paisagem da Glória. O benco de Bandeira. Eu só, no beco. O que poderia querer mais?
Despedes-te de mim para me ter de novo logo à esquina? Impossível tua onipresença. Impossível toda onipresença. Solidão do poeta é a sina..
A escrita é um fio. Mas não acendas, estopim disfarçado.
Tantas as tramas, romances para todos os gostos, histórias... Por que não escreves uma? Pega o fio, logo à porta do vizinho.
Gramáticas, modo de fazer; matemáticas... quantos de você?

Saudade, o verso
saciedade, reverso
sacralidade, regresso.
Distorce as cores, chega ao seu avesso, retorna à tonalidade original, à cor que jamais existiu.
Leituras, vozes destoantes, o poeta. O poeta é o eu no estado mais puro. O poeta não é o eu no estado mais puro. O poeta é o não é.
Estrangeiro o verso, apesar de em língua materna; estrangeiro o poeta apesar de nascido entre os seus; morto o homem, a mulher quando poeta.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Amor, minha palavra é roupa precária a me cobrir a pele. Amor, vai, piedade, esconde minha nudez entre as metáforas que ninguém entende.
Encomendas a carne, o açúcar, o sal, compras de supermercado. Encomendas-me o verso, o terço, religião falseada entre línguas estrangeiras.
Dei-te o tema, um verso, ainda que roubado de livro alheio; agora dá a partida, automóvel mordido em noite fria. É tua a pena, é tua a sina.
Tuas mãos escorregavam naquele namoro de criança, tuas mãos a procurar-me, a encontrar-me, e eu aflita, a porta aberta, a luz da sala acesa.
A lâmpada acesa, a luz sobre página de versos; a lâmpada acesa, teus olhos, nobre luz, a manchar minha literatura.
Inventa alguns versos, mesmo que pobres e sem sentido;inventa a literatura, assim marcharás, ainda que enganosa a marcha, ainda que sem lua.
Não gosto de retratos nas paredes, gosto das paredes vazias, formas nuas de traços do tempo, geografia de juventudes, amores extintos.
Tens o sol no coração, mas não me ilumines nem me queimes a pele. Melhor a lua noturna a me esconder de ti, a granjear, no gelo, o teu amor.
Não torce meu verso. Não trabalho com a forja, onde se pode sempre dobrar o ferro. Não torce meu verso. No que digo, vale o escrito.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Deixo um pouco para amanhã, quem sabe. Mas haverá amanhã? Pode ser que fiques sem poesia..
Há palavras vivas: aragem, frêmito, vestido... Vestido? Vestido, o que tem? Sobretudo se vou dentro.
Não me chames de anjo, se sou anjo, sou o que tenta, não o que guarda... De sua Angélica, perdão, Gregório.
Acordas tão tarde. Já não será possível que me encontres. A multidão, sempre a multidão, tantas as palavras, tantos os amores.
Me vês com os olhos do coração. Sou turva. Pois acerta a perspectiva, verás que adiante vem o abismo.
Saudade, dor, punhal selvagem, sou amante de todos os tigres.
Era como se ela houvesse partido. Me surpreendes a roubar um verso. Era como se ela houvesse partido. Me surpreendes sem bolsos, toda nua.
Toca minha carne, meu corpo quente. Não, não esperes, não, não. Não demora que esfria...
Sempre temi os navios, tão grandes, tão pesados, gigantescos. Apesar de, flutuam...
Tão fresca a chegada do amor, aurora matinal orvalhada... Tão fresca a chegada do amor... Corpo novo, acoplamento no espaço.
Versos que fluem, imediatos, em estado bruto, versos que fluem sem que se possa dizer diamantes, dirás faltar a lima ou, talvez, cascalho.
Descobre-se o amor em em meio às poéticas imagens pavorosas de Dante. Descobre-se o amor, até mesmo no Inferno.
Descobre-se o amor... num canto de jardim, numa flor, no sorriso de uma criança, no beijo roubado daquele que queremos como nosso amante...
Dizia não gostar de poemas, apenas de livros técnicos. Mas não sabia que sua engenharia naval fora estudada a partir de um verso de Homero.
Livro de poemas: Inferno, Purgatório, Paraíso.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Enrodilhaste-me, florestas de braços, pernas e dedos; em contrapartida dou-te a seiva...
Oh, não me entraves o caminho com germanias; não conheço-te a língua, mas sei do teu ardor.
Chuvisco de luz, a madrugada a te queimar, pulsar andaluz a apontar caminhos, que talvez não te levem a lugar algum fora do meu coração.
Sou bailarina alçada, giras-me, eixo a me respingar à pele todos os ventos, confluência sísmica de pontos cardeais.
Uma chuva luminosa transforma-me em água. Sou espelho à última estrela, cintilância fugaz, passageira rubra antes do sol.
Fadas pequeninas tocam-me com suas varinhas. Querem-me bailarina. Mas esqueceram que em terra de homens os anjos precisam vestir-se.
Folhas rolam pelo chão. Fim de estação. Gravidez. Os frutos virão, os frutos verão...
Feiticeira, sei que teria o poder de atordoar-te. Mas prefiro teu rosto alvo, teu beijo à contra-luz.
Arco de luz, meu céu no exílio.
Sorriso, máscaras estrangeiras, carnaval de Veneza, meu rosto congelado.
Alvoradas, sempre a esperança, os olhos limpos, água matinal a me respingar pelo dia.
A névoa a me cobrir os olhos. teu sorriso oculto em nau

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Esquece a disputa, olha o meu corpo, não há melhor troféu para cada Troia ultrajada.
Às armas, às armas, tira do forro a enorme lança, às armas, às armas, a luta é justa quando pela liberdade.
Salvai as naus, Jove, as naus sempre balouçantes. Com elas circunviajará todo o vosso Olimpo.
Bóreas, sempre trazes a tempestade. Por que hoje não me cobres com teus braços volumosos? Com tua força, rugidos de gigante, me acarinha...
Odisseia: Direito ao vencedor... E a quem perde? A escravidão, ou morrer em terra estrangeira.
Aos pés dos gregos, Athena, impossível não chorar por eles, mais vale apenas um herói, talvez Ulysses, do que todo o Olimpo.
Pactos nossos, talvez o deserto, talvez desastres.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Varredeiras varrem sobre a rua o infame pó dos tempos. Há quantos séculos respiro o rastro da passagem dos teus dias?
Estatura, a medida do teu fado; teu prêmio, tudo que te é dado.
Prêmio é o teu, alcança a asa do troféu, levanta tua Lídia e aponta quão alto é o céu...
Sou Lídia, aprecia a lágrima fugidia, dos teus da justiça os dias.
O fado, tal Dante e sua Beatriz; o fado, fulgor, mãos dadas, pairar sobre o paraíso, alados.
Viver a vida mais do que a vida, viver sobre a corda dos dias, precário o equilíbrio, luva de seda a sustentar o bastão longilíneo.
Sou a mesma do albor dos teus dias... Sou fada a transformar-te, sal da lagoa, sal de mar aberto.
Há quantos séculos aprecio as ruínas da Necrópole? Tornei-me a ruína dos teus dias...
Envelhecer, distinção no ato de amar.
Torno o olhar, sempre à contraluz. Perde-te de mim? No teu amor, perco-me eu.
O sol doura-me as retinas, fujo ou alimento o desvario?
Cores, olhos em delírio, cores de repouso.
Abelhas sobre flores, sol sobre a relva, trago-te o mel.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Outono, queda d'água a me respingar as mãos. Outono-me, torno-me água, transparências.
Dizes-me para colher as horas... Mas vou de outra colher, bebo-te, quero o teu desejo.
Tua carícia, sempre o meu corpo, sempre a contrapelo. Tua carícia rouba-me a roupa, lança-me louca... Mas tudo moinhos de vento,
Desejo, sempre o desejo, para onde me levas? Desejo, sopro em língua estrangeira, perco-me em aduanas de morte anunciada...
Ruídos na vidraça da sala. O vento atravessa-me o poema, Faço rimas no intervalo de silêncios, arrepios douram-me a pele.
Canto-te uma canção. Mas não a mesma. Canto-te uma canção, enquanto a vidraça nos protege do vento.
O pátio onde brincávamos... É outra a estação, crianças que não são mais crianças, o sol atravessa o meio do dia.
Cores de outono, traços de moça, a pele, o poema maduro.
Janelas e livros, meu corpo, página para teu poema...